Lixo de outras cidades é ameaça ao equilíbrio do Pós-Represa
Proposta de retirada da licença para vinda do lixo intermunicipal a Americana é discutida em audiência pública na Câmara
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A região do Pós-Represa, a maior preciosidade ambiental ainda não explorada de Americana e região, corre o sério risco de ser degradada e desvalorizada caso o município mantenha a autorização para que o aterro sanitário ali instalado receba o lixo de outras cidades. Esse foi um dos principais focos da audiência pública realizada, em 19 de outubro, na Câmara Municipal de vereadores. 

A audiência, que contou com a participação de vereadores e de lideranças comunitárias e de entidades que atuam em defesa da região da Represa do Salto Grande, foi convocada para debater o projeto de emenda à Lei Orgânica do município, de autoria do vereador Gualter Amado (Republicanos), que propõe a proibição de que qualquer aterro sanitário receba lixo de outras cidades. E isso vale tanto para o aterro privado já instalado ou qualquer outro que venha a se instalar em Americana. 

Até 2019 essa proibição constava na Lei Orgânica. Naquele ano, com o aterro já em pleno andamento, o então prefeito Omar Najar (MDB) encaminhou projeto à Câmara derrubando a proibição e autorizando a vinda do lixo de fora. 

O contrato para a construção do aterro, firmado em dezembro de 2018 com a empresa Engep Ambiental, vencedora da licitação, previa o manejo de pouco mais de 64 mil toneladas de resíduos em 12 meses. E, para isso, a prefeitura – que até então descartava o lixo da cidade no aterro da Estre, em Paulínia – pagaria R$ 45,83 por tonelada. 

Nos anos seguintes à autorização para o recebimento de resíduos de fora, o contrato foi várias vezes auditado. Assim, hoje, a atual proprietária do aterro, a UTGR (Usina de Tratamento e Gestão de Resíduos Sólidos de Americana), recebe R$ 98 por tonelada e está autorizada a tratar 150 mil toneladas por ano. 

Além disso, para justificar o aumento da quantidade de resíduos a serem tratados e também o recebimento do lixo de fora, a empresa responsável pelo aterro se comprometera a construir uma ampla usina, com equipamentos de tecnologia de ponta e capacidade para separar e reciclar grande parte do lixo recebido. Até o momento, isso ainda não foi feito. 

Todas essas questões foram amplamente discutidas pelos participantes da audiência pública. 

OS RISCOS
O vereador Gualter Amado lembrou que o Pós-Represa é a única grande área de preservação ambiental de Americana e que, a exemplo do que ocorreu com a Estre em Paulínia, trata-se de uma região que pode ser fortemente impactada pelo aterro de Americana. “O aterro da Estre também deveria ser para receber o lixo de Paulínia, mas cresceu e cresceu, passou a receber o lixo regional e hoje impacta toda a comunidade da região onde está instalado”, disse.

Para o vereador, o recebimento do lixo regional “causa problemas sérios para o município” como um todo e não só para os bairros da redondeza, pois impacta a rede viária e a estrutura urbana. 

“Enterrar o lixo de cidades próximas pode prejudicar o patrimônio natural da área do Pós-Represa. Podemos, por exemplo, vir a receber o lixo de Campinas, que são 1.500 toneladas por dia, pois a cidade tem problemas com o aterro Delta e está mandando hoje seus resíduos para São Paulo. O aterro regionalizado causaria também a desvalorização da área da Represa do Salto Grande, pois não teríamos empresas ou outros atrativos se instalando no local. Basta ver como é o entorno do aterro em Paulínia”, explicou. 

João Antônio Braidotti, que participou da audiência pública como representante do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente, afirmou que “o que foi nos mostrado em 2018 e 2019” no projeto para implantação do aterro, “simplesmente não aconteceu”. Ele lembrou que, além da usina, o projeto previa também a implantação de um sistema tecnologicamente moderno de reciclagem de resíduos eletrônicos. Na avaliação dele, caso tudo isso ocorresse o aterro seria até bem-vindo, pois além de reduzir a carga de lixo a ser aterrada, geraria empregos no município. 

O líder do Grupo Amigos da Represa, que atua em toda a região do entorno da Salto Grande, Marcelo Mazoca, relatou que até os anos 1970 e começo dos 80 as praias Azul e dos Namorados eram visitadas por turistas de todo o Brasil e até do exterior, que desfrutavam de suas águas limpas e de paisagem extremamente bela. 

“Com a liberdade concedida aos municípios para jogarem esgoto nas águas dos rios, a Salto Grande se transformou no ‘pinicão’ da região e hoje recebe o esgoto de 18 cidades”, afirmou Mazoca. Para ele, a abertura do aterro a outras cidades poderá ter consequências semelhantes. “A fiscalização não é capaz de garantir tudo. Nenhuma cidade quer lixo. Uma vez aberto o aterro, a ganância começa e a empresa vai querer mais e mais”. 

Jânio Carneiro de Oliveira, presidente da Iacia (Instituto Assistencial e Cultural Imperatriz Americanense), organização que reúne mais de 2.500 famílias de bairros do Pós-Represa, contou que visitou recentemente as instalações do aterro e foi apresentado para ele o barracão onde supostamente será implantada a usina de reciclagem. 

“Conheço usinas de reciclagem modernas e, com certeza, aquele barracão não é para isso. Disseram que vai ter a usina, mas eu respondi que ‘conversa a gente já teve muita, queremos ver agora a realidade’. Essa tecnologia que dizem que vão trazer é muito cara. Quem entra ali hoje vê que já é muito lixo e se abrir então será absurdo. Se for pra enterrar, vai ocupar tudo ali e muito rápido”, avaliou Jânio. 

OUTRO LADO
O responsável técnico da UTGR, Fábio Zampirolli, explicou que o aterro ainda não recebe lixo de outras cidades e que a implantação da central de triagem – que irá permitir a gestão dos resíduos de forma a diminuir a quantidade de material a ser aterrado – sofreu atrasos em seu processo de licenciamento ambiental devido, entre outros fatores, à pandemia de Covid-19.

“O contexto da pandemia acabou gerando um atraso em todos os processos de licenciamento, mas o local já possui espaço reservado para instalação da usina e nosso objetivo é colocar esse centro de triagem em funcionamento tão logo todas as etapas de licenciamento e construção sejam concluídas”, explicou. 

Apesar das explicações, ele foi questionado pela vereadora Professora Juliana (PT). “É importante focarmos a discussão na regionalização ou não do lixo recebido no aterro de Americana. O que deve ser priorizada é a questão da saúde ambiental. O que está autorizado é uma quantidade de lixo que é o dobro do que Americana produz, dentro de um aterro que tem uma vida útil de aproximadamente vinte anos, que passa muito rápido. A cidade precisa considerar como vai gerir essas questões ambientais dentro desse período e também depois disso”, comentou. 

O projeto do vereador Gualter seguirá agora com sua tramitação e será discutido e votado pelos vereadores em sessão extraordinária a ser agendada pela Câmara.


‘Pós-Represa, coração das veias e artérias de nosso desenvolvimento’

O arquiteto e urbanista Victor Chinaglia, ex-secretário de Planejamento e também do Meio Ambiente de Americana e hoje conselheiro titular do CAU-SP e diretor de projetos da Iacia, questionou duramente o destino que pode ter o Pós-Represa com a abertura do aterro para outras cidades. Durante a audiência, ele apresentou um texto onde aponta a importância daquela região e como ela já é essencial para o presente e o futuro do município. Leia, abaixo, a íntegra do texto:

 Passados mais de 50 anos, os principais acessos a Americana e suas indústrias são através da Rodovia Anhanguera.

A rodovia é hoje um eixo de desenvolvimento saturado, tanto pela falta de áreas como pelo intenso tráfego que a transforma numa avenida, deixando de escoar rapidamente mercadorias e circulação de trabalhadores. As indústrias que ali se instalaram são de produtos de média para baixa complexidade tecnológica, plantas grandes em tamanho e teor de poluição. Exemplos disso são a Suzano e agora o aterro sanitário que veio afetar todo o Pós-Represa.

Se pegarmos como ponto inicial a Umecore, na Avenida Florindo Cibin, e entrarmos no que era para ser Corredor Metropolitano, chegarmos à Avenida Nicolau Abdala, passarmos pela Suzano e Goodyear, avançarmos até a Rodovia Ivo Macris e entrarmos em Paulínia pelo maior polo petroquímico do Brasil, até a SP-332, chegaremos à Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e ao maior centro de tecnologia da América do Sul, onde se encontra o Centro Nacional de Pesquisa e o Projeto Sírius.

Cerca de 80% desse percurso é marginal aos rios Jaguarí e Piracicaba, que são acesso direto ao porto fluvial de Ártemis, capaz de transportar 18 milhões de toneladas de carga/ano, e estaremos também a 32 km do aeroporto de Viracopos.

O que realmente nos interessa agora é resolver o escoamento da produção das indústrias mais tradicionais, através de PPPs (Parcerias Público Privadas). Para podermos usar o potencial desse eixo de desenvolvimento com a indústria de alta tecnologia, que necessita de muita água, pouca área para plantas individuais, não são poluentes, formam jovens trabalhadores e escoam sua produção de alto valor agregado prioritariamente por aviões, características que podem vocacionar Americana a partir da região do Pós-Represa.

Mesmo com todo esse potencial na mão, o que vemos hoje é o poder público remendando Nicolau Abdala, a Ivo Macris com dinheiro público. Não inauguramos o Corredor Metropolitano e o trem intercidades não chegará até aqui. O Departamento Hidroviário projetou uma barragem no Rio Piracicaba, em Santa Maria da Serra, e uma linha férrea até o terminal de Nova Odessa para atender o Porto, excluindo novamente Americana.

Não temos que achar que o Pós-Represa é o futuro, ele é o presente do planejamento metropolitano que recolocaria Americana no mapa econômico e nos melhores índices de IDH do Brasil.

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