Artigo
Orestes Camargo Neves
Nos versos do clássico “O Homem da Terra”, de Luiz Gonzaga, o agricultor era exaltado pela sua importância no conjunto social. A canção foi produzida em tempos em que o Brasil era um país predominantemente rural e mais de 60% de sua população vivia no campo. A música sertaneja de então retratava, invariavelmente, o sofrimento do homem do campo, que naturalizava a convivência com a saúde precária. A rápida urbanização do país provocou uma forte alteração demográfica e, em pouco mais de meio século, mais de 84% dos brasileiros passaram a viver nas cidades!
Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que eles passaram a ter melhor acesso a saúde e educação públicas, tornaram-se vítimas das “facilidades” urbanas, como o acesso ao transporte e à alimentação industrializada. Assim, aquele trabalhador que, através do próprio trabalho braçal, podia se alimentar do que ele plantava, foi substituindo as hortaliças e o arroz com feijão pelos alimentos ultraprocessados e pela fast food,! Assim, aquela geração que padecia de doenças que as vacinas e os antibióticos, praticamente, eliminaram, foi sucedida por outra, sedentária e que naturaliza a convivência com doenças cardíacas, obesidade, diabetes, problemas de sono e depressão...
Experiências exitosas têm mostrado que programas de incentivo à agricultura urbana podem reverter, pelo menos parcialmente, este quadro extremamente preocupante! Quando ocupei o cargo de Secretário de Saúde de Americana, pude constatar que mais de 30% do orçamento do município era destinado à Saúde, sem que a população se sentisse assistida por ela, de maneira satisfatória! E esse “saco sem fundo” vai continuar sangrando os cofres públicos até que os municípios deem maior ênfase à prevenção.
E isso pode começar por uma política de estímulo à agricultura urbana! Entenda-se por “agricultura urbana”, quatro tipos de plantios urbanos: (a) as hortas tradicionais, nas quais são plantados vários tipos de hortaliças, com intuito comercial; (b) as hortas comunitárias, espaço coletivo, com a produção direcionadas aos próprios produtores; (c) as hortas domésticas, cultivadas em quintais; e (d) as mini hortas, para espaços muito pequenos, como apartamentos e moradias populares.
No que se refere às hortas tradicionais, talvez, caiba às prefeituras, prover maior orientação e fiscalização. Quanto aos demais tipos, a máquina pública deveria promover um amplo projeto de estímulo e assistência para a implementação dessas práticas, com técnicas de agricultura orgânica.
Uma cidade como Americana, que fez a opção pelo alto adensamento demográfico nas regiões periféricas, com alto índice de impermeabilização do solo, as pequenas hortas residenciais, sejam elas horizontais, suspensas ou em vasos/floreiras podem proporcionar: (1) ganho ecológico, pois, ainda que seja uma micro fonte produtora de oxigênio, se somada às milhares de outras fontes produtoras residenciais, teremos muitos e intensos ciclos de fotossíntese residenciais; (2) ação educativa, pois as crianças, maiores vítimas da alimentação industrializada, terão uma alternativa alimentar, com elas se envolvendo com o ciclo produtivo das plantas; (3) efeito terapêutico, pois a prática de jardinagem é uma eficiente forma de combate ao estresse da vida moderna; e (4) alimentação de qualidade nutricional e sanitária, além da vantagem econômica.
Não se trata de nenhum projeto pioneiro, pois muitas cidades já estão envolvidas nesses projetos, com resultados palpáveis. Já passou da hora de a agricultura urbana ser encarada como política pública e não como feudo de políticos...
Viva o novo “Homem da Terra”!
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