Calor se agrava e novas ondas deverão se tornar permanentes
Estudo do Inpe mostra que elevação das temperaturas no país e a ocorrência de períodos muito quentes vem aumentando de ano para ano
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Por Giovana Girardi

Pública - Agência de Jornalismo Investigativo


A onda de calor intenso pela qual passa o Brasil em novembro e também prevista para os próximos meses, com temperaturas superando os 40ºC em diversas partes do país, já não se trata mais de um evento raro. A ocorrência de períodos extremamente quentes aumentou nas últimas décadas, e o número de dias em que vivemos ondas de calor já passa, em média, de 50 por ano.

É o que aponta uma análise feita pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais apresentada no dia 13 deste mês, que considerou algumas alterações pelas quais o Brasil já passou nos últimos 60 anos em decorrência do aquecimento global.

De acordo com o levantamento, entre 1961 e 1990 – considerado o período de referência no estudo –, o número de dias com ondas de calor não ultrapassava sete por ano, na média. Com o aumento das emissões de gases de efeito estufa e, por consequência, da temperatura média global, eles saltaram para 20 dias no período entre 1991 e 2000; para 40 dias na década seguinte; chegando a 52 dias entre 2011 a 2020. 

Esse aumento da duração das ondas de calor foi observado em todo o país, mas ocorreu de forma mais pronunciada nas regiões Norte e Nordeste. 

A análise não considerou os indicadores dos últimos três anos, mas a tendência é que esse aumento continue – ainda mais considerando que 2023 deve ser, globalmente, o ano mais quente do registro histórico em todo o planeta. 


RECORDES

De acordo com o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), a temperatura média do Brasil também está batendo recordes consecutivos. Os meses de julho, agosto, setembro e outubro foram os mais quentes desde o início das medições. E a expectativa é que as temperaturas extremas que estão sendo observadas, particularmente neste mês, no país também devem bater todos os recordes. 

Os pesquisadores consideram como onda calor um período mínimo de seis dias consecutivos em que a temperatura máxima ficou acima de ao menos 10% do que é considerado extremo, na comparação com o período de referência. 

“Com esses dados, estamos deixando de apenas perceber as mudanças para de fato conhecer o que está acontecendo no Brasil nas últimas seis décadas”, afirmou em entrevista coletiva o diretor do Departamento para o Clima e Sustentabilidade do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, Osvaldo Moraes.

Não só aumentaram as ondas de calor como a própria temperatura no país. “Vemos uma tendência de aumento das temperaturas máximas com sinal bastante expressivo. Entre 2011 e 2020, todas as regiões do Brasil registraram um aquecimento superior a 1,5ºC, ou seja, superior ao que requer o Acordo de Paris”, explicou o pesquisador do Inpe Lincoln Alves, que coordenou o levantamento. 

Ele se refere ao compromisso assumido por quase todos os países em 2015, durante a Conferência do Clima da ONU, que tinha como objetivo reduzir as emissões de gases de efeito estufa a fim de evitar que a temperatura média do planeta não subisse mais de que 1,5ºC na comparação com o período pré-Revolução Industrial.

Em algumas partes do país – em especial no Nordeste e na região central –, as temperaturas máximas já chegavam, entre 2011 e 2020, a ficar cerca de 3ºC acima das medidas no período de referência.

De acordo com o levantamento, no período de referência, entre 1961 e 1990, a média da temperatura máxima para a região era de 30,7ºC. Subiu para 31,2°C entre 1991 e 2000, 31,6°C entre 2001 e 2010 e saltou para 32,2°C entre 2011 e 2020.


AS CHUVAS

O trabalho considerou também como se comportaram as chuvas ao longo das últimas seis décadas. Nas regiões Nordeste e central do país (incluindo porções da Norte, da Centro-Oeste e da Sudeste), houve um aumento do número de dias consecutivos secos, em que a precipitação é inferior a 1mm. Entre 1961 e 1990, havia, em média, de 80 a 85 dias, de dias consecutivos secos. Entre 2011 e 2020 já foram cerca de cem dias assim nas áreas mais afetadas. 

A redução de precipitação, especialmente no Nordeste e no Brasil Central, foi de 40%. Por outro lado, houve um aumento das chuvas na região Sul de até 30%. No período de referência, a precipitação máxima em cinco dias na região era, em média, de cerca de 140 mm. Esse valor cresceu para uma média de 160 mm. 

Os dados serão usados para a elaboração de estratégias de adaptação no país dentro do Plano Clima, que está sendo elaborado pelo governo federal. A partir dessas informações, a ideia é analisar os possíveis impactos e vulnerabilidades a fim de elaborar formas de adaptar as cidades e regiões à nova realidade. (www.apublica.org)


‘A Terra está muito fraca para receber as pancadas que estamos dando’

Por Gabriel Gama


“Estamos batendo muito forte no planeta com as mudanças climáticas, a queima de combustíveis fósseis e o aquecimento global. Se ele não estiver saudável, vai colapsar. Infelizmente, por estarmos quebrando os limites planetários, a Terra está muito fraca ao receber essas pancadas.”

O diagnóstico é do pesquisador sueco Johan Rockström, que vem, pelo menos desde 2009, alertando que, além dos impactos ao clima, as atividades humanas estão comprometendo uma série de condições do planeta – o que coloca a Terra em uma perigosa situação de fragilidade. Seu trabalho mais recente, publicado neste mês, revela o rápido avanço dessa degradação.

Em entrevista exclusiva à Agência Pública, o diretor do Instituto Potsdam de Pesquisas sobre Impacto Climático e professor do Centro de Resiliência de Estocolmo, explicou que as várias alterações que estamos promovendo “interagem entre si e nos aproximam de pontos irreversíveis” em sistemas fundamentais para o funcionamento da Terra.

Rockström coordenou um trabalho seminal em colaboração com outros 27 cientistas, publicado em 2009 na revista científica Nature, que introduziu o conceito de limites planetários. O objetivo era identificar quais são os pilares que garantem a estabilidade da Terra e da vida humana.

O grupo estabeleceu que há nove limites planetários: mudança climática, integridade da biosfera, mudanças no uso do solo, disponibilidade de água doce, fluxos biogeoquímicos (representados pelos ciclos de nitrogênio e fósforo), acidificação dos oceanos, carga de aerossóis na atmosfera, esgotamento da camada de ozônio e o que foi chamado de “novas entidades” (partículas que não existiam na natureza e foram introduzidas pela ação humana, como microplásticos, transgênicos e rejeitos nucleares).


ROMPIDAS

No primeiro trabalho, três barreiras tinham sido ultrapassadas. Em 2015, já eram quatro. Neste ano, os pesquisadores alertaram que saltou para seis.

Atividades humanas como desmatamento, emissão de poluentes e fertilização do solo aumentam a pressão exercida sobre os sistemas da Terra e podem causar a violação dos limites planetários, quando as condições encontradas no planeta estão fora dos limites da zona segura de operação (em verde). O grau de ruptura aumenta na direção da cor vermelha e a zona de alto risco é representada pela faixa roxa. Por serem interdependentes, a transgressão de um limite favorece a quebra dos outros.

Um relatório publicado dia 24 na revista BioScience, da Universidade de Oxford, compilou dados climáticos observados ao longo de 2023 e apontou que o planeta está entrando em um “território desconhecido” com a intensificação das mudanças climáticas. O estudo mostra que 20 dos 35 sinais vitais do planeta usados para monitorar o clima estão em níveis recordes, como emissões globais de gás carbônico (CO2), acidez dos oceanos, concentração de gases de efeito estufa na atmosfera e redução da cobertura de gelo nos polos.

“O relatório climático alerta que os eventos observados em 2023, que são completamente anormais, podem se tornar normais muito em breve”, disse Rockström, que é um dos autores do trabalho.

À Pública, o pesquisador critica a inação dos governantes diante das evidências científicas cada vez mais robustas, clama por decisões mais efetivas contra os combustíveis fósseis na próxima Conferência do Clima, que será realizada em Dubai em dezembro, e dá um puxão de orelha no Brasil.

“Cientificamente é um desvio completo do caminho da ação necessária [para combater as mudanças climáticas]. Não há espaço para mais petróleo – em uma exploração que também pode destruir mais ainda a biodiversidade. É a direção errada”, disse, em relação aos planos de explorar petróleo na Foz do Amazonas. Mas ponderou que hoje nenhum país tem condições de apontar o dedo para o Brasil. “Porque mesmo os países ricos não estão conseguindo lidar com os desafios da transição [energética]”.

Atividades humanas como desmatamento, emissão de poluentes e fertilização do solo aumentam a pressão exercida sobre os sistemas da Terra e podem causar a violação dos limites planetários, quando as condições encontradas no planeta estão fora dos limites da zona segura de operação (em verde). O grau de ruptura aumenta na direção da cor vermelha e a zona de alto risco é representada pela faixa roxa. Por serem interdependentes, a transgressão de um limite favorece a quebra dos outros.

Um relatório publicado dia 24 na revista BioScience, da Universidade de Oxford, compilou dados climáticos observados ao longo de 2023 e apontou que o planeta está entrando em um “território desconhecido” com a intensificação das mudanças climáticas. O estudo mostra que 20 dos 35 sinais vitais do planeta usados para monitorar o clima estão em níveis recordes, como emissões globais de gás carbônico (CO2), acidez dos oceanos, concentração de gases de efeito estufa na atmosfera e redução da cobertura de gelo nos polos.

“O relatório climático alerta que os eventos observados em 2023, que são completamente anormais, podem se tornar normais muito em breve”, disse Rockström, que é um dos autores do trabalho.

À Pública, o pesquisador critica a inação dos governantes diante das evidências científicas cada vez mais robustas, clama por decisões mais efetivas contra os combustíveis fósseis na próxima Conferência do Clima, que será realizada em Dubai em dezembro, e dá um puxão de orelha no Brasil.

“Cientificamente é um desvio completo do caminho da ação necessária [para combater as mudanças climáticas]. Não há espaço para mais petróleo – em uma exploração que também pode destruir mais ainda a biodiversidade. É a direção errada”, disse, em relação aos planos de explorar petróleo na Foz do Amazonas. Mas ponderou que hoje nenhum país tem condições de apontar o dedo para o Brasil. 

(Leia a entrevista completa em www.apublica.org)

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