Fumacê contra dengue provoca grande mortandade de abelhas nas cidades
Denúncias se multiplicam pelo país e atingem centros urbanos de todo o interior do Estado de São Paulo
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A pulverização em larga escala de inseticidas (o fumacê) para o combate do aedes aegypt, o mosquito transmissor da dengue, tem provocado a mortandade massiva de abelhas que vivem em áreas urbanas, tanto as de colônias criadas para a produção de mel, como aquelas que se reproduzem na natureza. 

Advertências, protestos e ações não só de produtores, mas também do MP (Ministério Público) do Meio Ambiente e de diversas instâncias de estudo pesquisa se multiplicam pelo Brasil inteiro, devido ao crescimento exponencial do fumacê nos últimos meses para enfrentar a atual epidemia de dengue.

O biólogo Ricardo Costa Rodrigues de Camargo, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, em Jaguariúna(SP), e presidente da Amesampa (Associação de Meliponicultores do Estado de São Paulo) lembra que o interior paulista vive casos de mortandade massiva de abelhas devido ao uso de agrotóxicos nas lavouras. “E agora enfrentamos essa situação seríssima nos ambientes urbanos devido ao fumacê”, aponta.

A Amesampa, assim como associações de produtores de todo o país, tem repetidamente denunciado o descaso das autoridades em todos os níveis. “São inúmeros os casos de produtores que perdem suas colônias, às vezes totalmente, depois de anos de trabalho e criação, por não serem avisados previamente da passagem do fumacê. E assim ficam totalmente incapacitados de tomar qualquer medida protetiva quando o veneno é jogado pelas ruas e edifícios”, relata o biólogo.

Recentemente, por determinação legal, todos os produtores de abelha e mel tiveram que se cadastrar em seus estados. A meliponicultora trabalha com as abelhas sem ferrão, que estão no centro da grande expansão da criação de colônias de abelhas em São Paulo e no Brasil. No Estado de São Paulo, o prazo para o cadastramento foi encerrado em 15 de dezembro do ano passado. “Então o Estado tem o cadastro de todos os produtores. Sabe o endereço, a quantidade de abelhas e a produção”, lembra. 

Por isso, segundo Ricardo, se houvesse um real interesse do poder público na proteção das abelhas ele simplesmente repassaria essas informações para os municípios e estabeleceria um protocolo rigoroso para os fumacês nas áreas urbanas onde existem de colônias.

“Em todas instâncias e fóruns que a gente participa aqui em São Paulo, assim como na Câmara Setorial paulista, sempre é colocado que as abelhas são animais de grande e peculiar interesse para o Estado”, afirma Ricardo. Tanto que, a partir de incentivos do próprio Estado, as colônias de abelhas se multiplicaram por cidades de todo o interior paulista nos últimos anos. Além da produção do mel, as abelhas são essenciais para a polinização das flores em toda a natureza. E a mortandade massiva que ocorre no mundo inteiro, pela devastação das matas e o uso indiscriminado de agrotóxicos, já é chamada de “apocalipse das abelhas”, o que coloca em risco todo o processo de reprodução das plantas da natureza e das lavouras. 

“Então, esse descaso com a proteção é uma atitude extrema que nos causa profunda indignação. Porque se elas são tão importantes assim por que não são feitas ações efetivas para a protege-las?”, questiona o biólogo. 

A Amesampa defende a necessidade da tomada urgente de medidas de proteção das abelhas, diante do alto aumento do fumacê nos centros urbanos, mas vai mais longe: argumenta que já existem medidas alternativas ao fumacê e que não estão sendo devidamente exploradas. Um descuido que se torna ainda mais grave, quando já está amplamente comprovado que a eficácia do fumacê é muito baixa para conter a propagação do mosquito e enfrentar realmente uma epidemia da dengue.


INEFICAZ                 

Documento recente encaminhado pela Câmara Técnica de Meliponicultura do Estado do Paraná à Secretaria de Agricultura daquele Estado faz vários alertas sobre a multiplicação do fumacê nos centros urbanos paranaenses. O documento, publicado de forma aberta e já reproduzido por instituições ambientais e de produtores de mel e de abelhas sem ferrão de todo o país, destaca não só a ineficácia do fumacê para o combate decisivo à epidemia da dengue, mas também os problemas que acarreta.

“O alerta aqui trazido inicialmente é o efeito nocivo que a aplicação contínua desse produto causa aos insetos de forma geral, aos outros animais da fauna nativa, aos animais domésticos e inclusive também aos humanos. Neste contexto, a prática coloca também grande ameaça às abelhas que se encontram em área urbana - objeto da atividade da meliponicultora”, diz o documento.

O documento ressalta as orientações do Ministério da Saúde sobre a utilização do principal produto utilizado no fumacê, o inseticida Cielo, o mais amplamente empregado. A Nota Técnica do Ministério aponta que o produto só deve ser utilizado “em situações de emergência, quando o controle preventivo não for suficiente”. 

A nota traz ainda a ressalva sobre a “eficiência limitada” do produto, porque o aedes aegypt tem “modo de vida preferencialmente intradomiciliar” e somente os insetos adultos que estiverem em voo no momento da pulverização são controlados. “Mesmo diante de ótimas condições, a pulverização espacial não é capaz de eliminar todos insetos adultos do vetor, e a população residual do mosquito pode ainda ser suficiente para manter a transmissão”, diz a nota, lembrando que as larvas não são afetadas pelo veneno e permanecem ativas.

O biólogo Ricardo aponta ainda que os resíduos do inseticida permanecem por muito tempo na natureza. “Então não estamos falando só do prejuízo para meliponicultura, para os produtores, mas de prejuízos ambientais enormes. Em outras palavras, o poder público não fez sua parte que vai desde o controle larval nas cidades e residências até o trabalho sistemático de conscientização da população. E agora joga o veneno sobre nossas cabeças. Ressaltamos ainda que já existem alternativas testadas em vários locais do país e que simplesmente são desprezadas pelas autoridades (leia abaixo)”, denuncia. 


Alguns dos efeitos colaterais do fumacê em seres humanos

- irritação na garganta

- tosse

- dificuldade respiratória

- chiado no peito

- crises de asma em pessoas sensíveis

Caso haja contato com os olhos, pode resultar em:

- irritação

- vermelhidão

- lacrimejamento

- sensação de queimação

- visão turva temporária



Alternativas de controle sem fumacê

Alternativas ao fumacê existem, têm sido amplamente pesquisadas, mas dependem de recursos financeiros para que sejam definitivamente introduzidas. Na verdade, recursos existem: o governo federal gasta fortunas na compra dos inseticidas que distribui para aplicação nos municípios. Se o investimento nas alternativas fosse feito em larga escala, o gasto com inseticidas seria drasticamente reduzido. 

Uma dessas alternativas já é desenvolvida no Brasil, desde 2016, quando a Agência Internacional de Energia Atômica, órgão ligado à ONU (Organização das Nações Unidas) repassou para o Brasil a tecnologia para a produção de mosquitos machos estéreis. A tecnologia, que consiste em aplicar radiação ionizante nos insetos, foi repassada para a biofábrica Moscamed Brasil, localizada na cidade de Juazeiro, região norte da Bahia. A instituição foi escolhida pela própria agência de energia nuclear das Nações Unidas e é a primeira biofábrica do mundo a utilizar a tecnologia de raios-x para esterilização de insetos e controle biológico de pragas. 

Experiências feitas em grandes cidades, como Recife, em 2020, reduziram drasticamente os focos de mosquitos. A técnica é uma estratégia de controle de natalidade: as fêmeas, responsáveis pela transmissão da dengue, recebem espermatozoides que não são capazes de reproduzir e, com a liberação desses mosquitos no ambiente, com o passar de semanas e meses, a população global deles é totalmente reduzida.

A aplicação de larvicidas em criadouros é outra tecnologia já largamente experimentada. Os larvicidas sempre foram importados, a altos custos e com dificuldades de distribuição dos estoques para os municípios. Mas, há cerca de 20 anos, a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia e a empresa Bthek Biotecnologia desenvolveram um produto capaz de controlar as larvas do mosquito da dengue. Em 2007 o produto receber o primeiro lugar do prêmio Finep de Inovação Tecnológica, na região Centro-Oeste.

E, obviamente, o controle mecânico tem que ser sistemático. Depende de ações cotidianas do poder público e da conscientização da população através de campanhas. Neste tipo de controle, devem ser distribuídos e usados também peixes larvófagos para controlar as larvas em bebedouros de grandes animais, fosso de elevador de construções, piscinas desativadas, fontes ou espelhos d’água, tambores ou tanques de água para uso nas hortas, caixa d’água de postos de gasolina (subterrânea) e outros usos domésticos, excluído é claro o seu emprego em água de consumo.


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